John Bacon encontrava-se envolvido em uma rotina de trabalho
alucinante desde 2014. Escreveu quatro livros em cinco anos e tornou-se um dos
autores mais vendidos de literatura esportiva nos EUA, mas dizia que ele mesmo
não tinha tempo de praticar exercícios físicos.
Costumava trocar o jantar por uma caixa de biscoitos,
devorados em frente ao computador, quando o peso do mau hábito ficou nítido.
Já não conseguia acompanhar a energia do filho Teddy, de três anos.
Era julho do ano passado, e Bacon decidiu subir na balança no
dia de seu 55° aniversário.
Apesar de 1,80 metro de altura, os quase 100 quilos que mostrará o visor assustaram o escritor americano. "Vi que precisava mudar
de vida e ter um objetivo grande, capaz de me apavorar para isso", contou
à reportagem.
Bacon foi superlativo. Decidiu se inscrever para correr os
42 quilômetros da maratona de Boston, a mais famosa e tradicional corrida de
longa distância do mundo.
O avanço da pandemia, contudo, mudou seus planos após nove
meses de treinamento intenso.
Realizada sempre na terceira segunda-feira de abril, Dia do
Patriota nos EUA, a maratona precisou ser adiada para setembro e fez com que o
americano criasse um roteiro para sua própria corrida em Ann Arbor, cidade onde
mora no estado de Michigan.
"Fiquei mais chateado do que esperava e pensei no que
poderia fazer. Desistir e voltar a comer porcaria e beber cerveja? Aí olhei
para o meu filho. Eu havia mudado por ele, então decidi correr em casa."
Bacon estipulou uma rota para 18 de abril, dois dias antes da
data prevista para a maratona de Boston.
O ponto de partida foi a casa de seus pais, ambos com quase
90 anos - pertencentes ao grupo de risco para o novo coronavírus-- e a quem
Bacon não visita desde o início da pandemia.
Depois, entravam no circuito as escolas em que ele estudou
durante a infância e adolescência, seus bares e parques favoritos, e o estádio
de Michigan, onde costumava assistir a jogos de beisebol com amigos.
O roteiro era planejado, mas o que Bacon não imaginava era
que mais de cem pessoas iriam acompanhá-lo --respeitando as regras de
distanciamento social-- durante todo o percurso.
Bacon levou cinco horas e meia para terminar sua maratona -
vencedor em Boston no ano passado, o queniano Lawrence Cherono cruzou a linha
de chegada depois de 2h7min57seg. "O filme da minha vida passou pela minha
cabeça, mas era um filme bem lento", diverte-se Bacon.
Durante a corrida, ouvia os gritos irônicos do treinador Ron
Warhurst, que o acompanhava de dentro de um carro: "Se você for mais
devagar, estará caminhando".
Warhurst tem 76 anos. Lutou pelos EUA na Guerra do Vietnã e
sobreviveu a dois tiros em combate.
No início dos treinos, há nove meses, disparava na frente e
tinha que esperar Bacon recuperar o fôlego depois de pouco mais de 3 km de
corrida.
De lá para cá, o escritor melhorou o ritmo, correu por quase
800 km e perdeu 15 kg.
Aos poucos, diz Bacon, o processo vai ficando mais fácil.
"Ou melhor, menos terrível."
Com dores no corpo ao fazer sua maratona, lembra que os
últimos 10 km foram tão difíceis quanto os dois primeiros que correu no ano
passado.
"Se eu estivesse sozinho, seria muito fácil ter parado,
mas os amigos vão te levando até o fim."
Bacon tem planos de ainda correr a maratona de Boston,
marcada para 14 de setembro, se a pandemia permitir. A Covid-19 já infectou
mais de 1,3 milhão de pessoas nos EUA e matou quase 80 mil.
"São tempos difíceis para todos, mas é preciso focar
nas coisas que você consegue fazer, e você consegue correr, ver seus amigos à
distância, isso faz diferença. Esperei cinco anos para recomeçar minha vida. E
minha dica é: não espere tanto. Coloque o tênis e vá.
Fonte: Gaúchazh.